Foi no 2A que tudo começou, embora não consiga, na verdade, lembrar-me de grande coisa. São assim, as coisas: a gente acaba por se esquecer do que é, hoje, por nós considerado importante e que, na altura, era apenas uma necessidade dos nossos pais ou de quem, no começo de uma nova vida, nos acompanhava às consultas.
Era puto. Lembro-me, como já disse, de poucas coisas. De algumas coisas lembro-me melhor, talvez por serem aquelas que evocavam as variáveis do medo, o medo que fazia com que desse a mão à minha mãe desde que saíamos do carro até nos sentarmos em frente à médica. Da médica, apenas sei de cor a bata branca, um bolso rasgado e uma caneta que teimava em cair quando se baixava para medir a distância dos meus joelhos ao aparelho de ferro. Fazia eu por esquecer aquilo, olhando para o fundo do decote, como se a bata branca, entreaberta, estivesse ali para mim. Por ser Verão, os seus mamilos cor de romã roçavam no tecido e, por vezes, endureciam. Às vezes, à noite, era uma motivação como outra qualquer.
Foi no 2A que as coisas foram começando. Não consigo lembrar-me dos miúdos, talvez por estar sempre mais triste que eles. Havia um bar, lá em cima, num outro piso (o terceiro ou o quarto, já não sei, com vista para o autódromo...), mas as coisas atrasavam-se sempre muito. No final, a minha mãe pedia um galão e uma torrada e eu só queria petazetas, que eram umas pedrinhas com sabor a morango que se punham debaixo da língua e estalavam na boca. Depois engolia-as e era como um sinal de Deus, o sinal de que a consulta tinha acabado e que apenas restava a tarde, mais fria, no corredor da ortopedia. Desse corredor, os cheiros a borracha quente, a tintas e a próteses entravam, subterrâneos, nos pulsos de quem lá passava - nos meus pulsos e nos pulsos da minha mãe, marcados pela força com que os apertava, quase em sangue do medo. Um dia ainda me sobem esta porcaria, pensava eu, antecipando as consequências de um trágico desfecho da minha paixão pela Cátia, a miúda que, lá de cima do sexto ano, olhava para mim e que, a certa altura, se concentrava apenas e só nos meus olhos.
É do fundo do 2A que as coisas começam, marcadas pelo passo largo de mim e da minha mãe, que fugíamos a medo daquilo tudo quando nos afastávamos do balcão da saída, quando a minha mãe, sempre ela e sempre a medo, pedia um papel para justificar no serviço o peso de mais um daqueles dias de interior.
É do fundo do 2A que este blog, à semelhança de tantos outros blogs, começa. Todos temos um 2A na nossa vida, escondido pela memória ou atrasado pelas coisas boas que nos foram, entretanto, acontecendo e disfarçando as más. Desconfio até que há blogs por causa disto, dos 2A atrás de nós, à nossa frente, ou então por causa do número de vezes que pedíamos à nossa mãe para carregarmos no botão do elevador que subia, um dia de cada vez, ao fundo de nós.
Era puto. Lembro-me, como já disse, de poucas coisas. De algumas coisas lembro-me melhor, talvez por serem aquelas que evocavam as variáveis do medo, o medo que fazia com que desse a mão à minha mãe desde que saíamos do carro até nos sentarmos em frente à médica. Da médica, apenas sei de cor a bata branca, um bolso rasgado e uma caneta que teimava em cair quando se baixava para medir a distância dos meus joelhos ao aparelho de ferro. Fazia eu por esquecer aquilo, olhando para o fundo do decote, como se a bata branca, entreaberta, estivesse ali para mim. Por ser Verão, os seus mamilos cor de romã roçavam no tecido e, por vezes, endureciam. Às vezes, à noite, era uma motivação como outra qualquer.
Foi no 2A que as coisas foram começando. Não consigo lembrar-me dos miúdos, talvez por estar sempre mais triste que eles. Havia um bar, lá em cima, num outro piso (o terceiro ou o quarto, já não sei, com vista para o autódromo...), mas as coisas atrasavam-se sempre muito. No final, a minha mãe pedia um galão e uma torrada e eu só queria petazetas, que eram umas pedrinhas com sabor a morango que se punham debaixo da língua e estalavam na boca. Depois engolia-as e era como um sinal de Deus, o sinal de que a consulta tinha acabado e que apenas restava a tarde, mais fria, no corredor da ortopedia. Desse corredor, os cheiros a borracha quente, a tintas e a próteses entravam, subterrâneos, nos pulsos de quem lá passava - nos meus pulsos e nos pulsos da minha mãe, marcados pela força com que os apertava, quase em sangue do medo. Um dia ainda me sobem esta porcaria, pensava eu, antecipando as consequências de um trágico desfecho da minha paixão pela Cátia, a miúda que, lá de cima do sexto ano, olhava para mim e que, a certa altura, se concentrava apenas e só nos meus olhos.
É do fundo do 2A que as coisas começam, marcadas pelo passo largo de mim e da minha mãe, que fugíamos a medo daquilo tudo quando nos afastávamos do balcão da saída, quando a minha mãe, sempre ela e sempre a medo, pedia um papel para justificar no serviço o peso de mais um daqueles dias de interior.
É do fundo do 2A que este blog, à semelhança de tantos outros blogs, começa. Todos temos um 2A na nossa vida, escondido pela memória ou atrasado pelas coisas boas que nos foram, entretanto, acontecendo e disfarçando as más. Desconfio até que há blogs por causa disto, dos 2A atrás de nós, à nossa frente, ou então por causa do número de vezes que pedíamos à nossa mãe para carregarmos no botão do elevador que subia, um dia de cada vez, ao fundo de nós.
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