A haver, tanto em Portugal como no resto do mundo, um movimento de pessoas com deficiência, imagino que seria um movimento desprovido de movimento. Quando eu e mais algumas pessoas fazíamos atletismo em cadeira de rodas e participávamos em provas integradas num circuito que deixou, entretanto, de existir, o que mais espantava as pessoas que connosco corriam e que assistiam às provas não era o facto de, digamos assim, estarmos em esforço ou, eventualmente, à frente de alguém: era algo ainda mais importante que isso. O espanto advinha do facto de estarmos em movimento e de termos, nem que fosse por momentos, quebrado a imagem frágil das pessoas com deficiência, quietas em casa a apodrecer em frente à televisão, com a arrastadeira sempre no pensamento.

Essa imagem ainda faz parte da memória colectiva, mesmo que levemente desvanecida por um conjunto de atletas que, aqui e ali, ganha umas medalhas e brilha enquanto pode. No entanto, é a imagem que, a haver uma imagem verdadeira e falsa das coisas, seria a imagem verdadeira.

Seria fácil, pondo as coisas deste modo, reservar a culpa para quem gosta de, como quem caça perdizes, fazer pontaria às provas de atletismo ou matar o desporto amador. No entanto, o problema, a haver um problema, seria uma coisa muito mais funda, muito mais discreta mas muito mais funda – quando queremos que os braços mexam, mexemos os braços. Quando pensamos muito no assunto mas não queremos mexer os braços, os braços, na verdade, não mexem. E isso é um lado absolutamente terminal da natureza humana: queremos, queremos. Não queremos, não queremos.

Assim, para além de muitas outras coisas que são precisas, querer um movimento de pessoas com deficiência é querer que as pessoas com deficiência ponham em práctica alguns movimentos que, não sendo necessariamente rápidos, poderão ser certeiros.Como se, algum tempo depois da cinematográfica fuga das galinhas pudesse, mesmo que não mediática, surgir do nada uma revolta das perdizes.

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