São tempos difíceis, dizes. Tens medo que te interpretem mal, que achem que dizes que são tempos difíceis porque vão pensar que o tempo a que te referes não é o teu, é o das notícias, dos devaneios financeiros,da europa, das traves que seguram que o mundo e que, já o percebemos, são fracas para sustentar o seu peso.

Mas o peso do teu mundo não é o peso do mundo, do mundo todo, do mundo que escorre para lá do peso do teu mundo.

Eles não sabem que as notícias do teu mundo não passam nos telejornais, que o peso do teu mundo é muito superior ao peso do peso das notícias sobre o banco central europeu.

Tu não dizes que os tempos difíceis que atravessas são o tempo do teu tempo interior, das filas de trânsito, dos aborrecimentos, da inquietação no trabalho que tudo fazes por suportar, da travessia que fazes quando passas pelo meio das brasas e as horas, as que passam e as que não passam, são o teu único contentamento. Mesmo que o digas, ninguém o saberá, porque quem sabe de ti tem o seu próprio peso, incontável, imensurável, indizível.

O mistério do mundo é o teu mistério, o que de ti sabes e não pode ser contado, mesmo por ti, mesmo para ti.

Ninguém perceberia se dissesses que são tempos difíceis, que és tu em tempos difíceis, porque serias confundido com o mundo, que tem muito mais para contar que a explicação do teu caminho. E é por isso que nunca dirás que atravessas tempos difíceis, que o teu dizer é de uma língua estranha que passa ao largo da realidade, que é aborvida pelos tempo presente ou que, espreitando para fora da tua boca, apenas se mostrará envolta na realidade social das oito da noite.

Já não és tu, quando pesas mais que o próprio mundo. Já não és tu porque és os outros, a parte de um todo que se diz, que se espalha, que se entranha no lodo, que se esvai e se fica nas notícias, nos avisos, na percepção de um fim.

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